As estratégias nazistas contra os judeus por mais que possam
ser, hoje em dia, unanimemente repudiadas e incomparavelmente cruéis, podem servir
de metáfora, como propõe o radialista comunitário Jerry de Oliveira, para
compreender o tratamento que as rádios comunitárias recebem no Brasil. Assim
como os judeus foram inicialmente marcados pelos nazistas na Alemanha
pós-Primeira Guerra Mundial, as emissoras também sofrem tal perseguição quando
estão todas assinaladas num mesmo canal. Não há só uma perda da identidade
particular, mas principalmente uma marginalização dado que a sobreposição das
emissões, em determinadas regiões, tornam-se inevitáveis, impedindo populações
inteiras de localizações fronteiriças de não só escutar tanto uma emissora como
outra, como de ter acesso ao serviço de radiodifusão comunitária. A
marginalização é mais grave quando emissoras estão condenadas a frequências
como 87,9 MHz de difícil sintonia em aparelhos analógicos e indisponíveis em
alguns digitais. A condição de banimento está prevista até mesmo na lei de
radiodifusão comunitária que prevê a ausência de proteção legal. A situação se
agrava quando o novo coronelismo eletrônico tornou as rádios comunitárias uma
moeda de troca do Governo para apoios de grupos políticos locais.
Depois de marcadas, assim como os judeus, as rádios
comunitárias foram aprisionadas. A potência máxima de 25 watts e o raio de
atuação de 1 km2 impossibilita não só atender comunidades mais amplas, como também
estender o lastro de serviço. Dificulta não só a diversidade das emissoras, mas
também a sustentabilidade porque o aprisionamento é igualmente econômico. As
rádios comunitárias, assim como os judeus tinha limitações de comércio em seus
bairros prisões, não podem receber nada além de apoio cultural de empresas,
localizadas em sua área de atuação 1 km2, que proíbem a divulgação de produtos,
serviços, preços, prazos e promoções. Não é só a sustentabilidade das emissoras
que é comprometida, mas ainda todo um comércio local que, em muitos casos, não
tem alternativa de anunciar para prosperar.
Da mesma forma que os judeus foram levados para campos de
concentração e, em seguida para o extermínio, as rádios comunitárias estão sendo
levadas para o mesmo caminho no processo de digitalização. O sistema de rádio
digital no Brasil poderá adotar um padrão, o IBOC HD Radio, defendido pelos
empresários da comunicação e parte do Governo, que quase inviabiliza a
transmissão abaixo de 100 watts e ainda promove uma “grilagem” de espectro
quando para transmitir em digital e analógico as emissoras ocuparão três pontos
na frequência. Neste tenebroso e possível cenário, as rádios comunitárias
poderiam estar completamente fora da digitalização, pegando em tipos aparelhos
que, em alguns anos, sequer existirão para vender.
Por trás de toda essa perseguição e marginalização das
rádios comunitárias, há um forte lobby dos empresários da comunicação que goza,
no mínimo, de uma indecente conivência do Governo Federal e Congresso Nacional.
A própria lei 9.612 de radiodifusão comunitária comprova isso. O projeto
original que previa potência de até 250 watts e publicidade local para as
rádios comunitárias foi derrubado pelo substitutivo que trouxe todas essas
restrições. A consulta pública realizada pelo Ministério das Comunicações, em
2011, sobre a regulamentação dessa legislação resultou numa Normativa que acatou
todas as sugestões das entidades corporativas dos empresários, tornando mais
inviável o serviço comunitário. Mais recentemente, o Decreto Normativo que
possibilitaria a divulgação de produtos e serviços nos apoios culturais, a
propaganda governamental e extinguiria a limitação de 1km2 no raio de atuação,
está emperrado há mais de oito meses na Casa Civil, sem qualquer avanço ou
resposta. E se não bastasse, no dia 4 de dezembro de 2012, a Câmara dos
Deputados, pressionada pelos empresários de comunicação, que até panfletos
ameaçadores distribuíram, aprovou o veto do Senado Federal ao artigo da Medida
Provisória 575 que descriminalizaria a radiodifusão abaixo de 100 watts de
potência. Esta medida significaria não só o fim de uma perseguição, mas também
a anistia de milhares de militantes que sofrem processos e até condenações por lutarem
pela direito à comunicação.
Diante de todo o cenário, são poucas as
emissoras comunitárias que conseguem sobreviver cumprindo seu papel social de promover
a informação local, a cidadania e a diversidade cultural. Mais do que produzir
conteúdos e estimular a participação, as associações mantenedores vivem o
terrível dilema de resistir a toda sorte de hostilidades e dificuldades
possíveis. Muito mais do que um plano de outorgas para garantir rádios
comunitárias em todos os municípios brasileiros, precisamos empoderar as rádios
comunitárias com formação, reconhecimento legal e financiamento público para
que a história não repita a tragédia mesmo que metaforicamente.
Infelizmente no Brasil o poder de comunicar está nas mãos de grandes grupos econômicos e de políticos. As concessões das rádios foram distribuídas entre os detentores do poder como troca de favores. As rádios comunitárias deveriam ser uma alternativa de melhoria nas comunidades, e poderiam prestar auxilio ao poder público em várias tarefas. Mais qual o política que deseja que o cidadão fique bem informado e mais consciente de seus direitos?
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