quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

As rádios comunitárias e o nazismo: uma metáfora da marginalização e perseguição sociais


As estratégias nazistas contra os judeus por mais que possam ser, hoje em dia, unanimemente repudiadas e incomparavelmente cruéis, podem servir de metáfora, como propõe o radialista comunitário Jerry de Oliveira, para compreender o tratamento que as rádios comunitárias recebem no Brasil. Assim como os judeus foram inicialmente marcados pelos nazistas na Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial, as emissoras também sofrem tal perseguição quando estão todas assinaladas num mesmo canal. Não há só uma perda da identidade particular, mas principalmente uma marginalização dado que a sobreposição das emissões, em determinadas regiões, tornam-se inevitáveis, impedindo populações inteiras de localizações fronteiriças de não só escutar tanto uma emissora como outra, como de ter acesso ao serviço de radiodifusão comunitária. A marginalização é mais grave quando emissoras estão condenadas a frequências como 87,9 MHz de difícil sintonia em aparelhos analógicos e indisponíveis em alguns digitais. A condição de banimento está prevista até mesmo na lei de radiodifusão comunitária que prevê a ausência de proteção legal. A situação se agrava quando o novo coronelismo eletrônico tornou as rádios comunitárias uma moeda de troca do Governo para apoios de grupos políticos locais.

Depois de marcadas, assim como os judeus, as rádios comunitárias foram aprisionadas. A potência máxima de 25 watts e o raio de atuação de 1 km2 impossibilita não só atender comunidades mais amplas, como também estender o lastro de serviço. Dificulta não só a diversidade das emissoras, mas também a sustentabilidade porque o aprisionamento é igualmente econômico. As rádios comunitárias, assim como os judeus tinha limitações de comércio em seus bairros prisões, não podem receber nada além de apoio cultural de empresas, localizadas em sua área de atuação 1 km2, que proíbem a divulgação de produtos, serviços, preços, prazos e promoções. Não é só a sustentabilidade das emissoras que é comprometida, mas ainda todo um comércio local que, em muitos casos, não tem alternativa de anunciar para prosperar.

Da mesma forma que os judeus foram levados para campos de concentração e, em seguida para o extermínio, as rádios comunitárias estão sendo levadas para o mesmo caminho no processo de digitalização. O sistema de rádio digital no Brasil poderá adotar um padrão, o IBOC HD Radio, defendido pelos empresários da comunicação e parte do Governo, que quase inviabiliza a transmissão abaixo de 100 watts e ainda promove uma “grilagem” de espectro quando para transmitir em digital e analógico as emissoras ocuparão três pontos na frequência. Neste tenebroso e possível cenário, as rádios comunitárias poderiam estar completamente fora da digitalização, pegando em tipos aparelhos que, em alguns anos, sequer existirão para vender.

Por trás de toda essa perseguição e marginalização das rádios comunitárias, há um forte lobby dos empresários da comunicação que goza, no mínimo, de uma indecente conivência do Governo Federal e Congresso Nacional. A própria lei 9.612 de radiodifusão comunitária comprova isso. O projeto original que previa potência de até 250 watts e publicidade local para as rádios comunitárias foi derrubado pelo substitutivo que trouxe todas essas restrições. A consulta pública realizada pelo Ministério das Comunicações, em 2011, sobre a regulamentação dessa legislação resultou numa Normativa que acatou todas as sugestões das entidades corporativas dos empresários, tornando mais inviável o serviço comunitário. Mais recentemente, o Decreto Normativo que possibilitaria a divulgação de produtos e serviços nos apoios culturais, a propaganda governamental e extinguiria a limitação de 1km2 no raio de atuação, está emperrado há mais de oito meses na Casa Civil, sem qualquer avanço ou resposta. E se não bastasse, no dia 4 de dezembro de 2012, a Câmara dos Deputados, pressionada pelos empresários de comunicação, que até panfletos ameaçadores distribuíram, aprovou o veto do Senado Federal ao artigo da Medida Provisória 575 que descriminalizaria a radiodifusão abaixo de 100 watts de potência. Esta medida significaria não só o fim de uma perseguição, mas também a anistia de milhares de militantes que sofrem processos e até condenações por lutarem pela direito à comunicação

Diante de todo o cenário, são poucas as emissoras comunitárias que conseguem sobreviver cumprindo seu papel social de promover a informação local, a cidadania e a diversidade cultural. Mais do que produzir conteúdos e estimular a participação, as associações mantenedores vivem o terrível dilema de resistir a toda sorte de hostilidades e dificuldades possíveis. Muito mais do que um plano de outorgas para garantir rádios comunitárias em todos os municípios brasileiros, precisamos empoderar as rádios comunitárias com formação, reconhecimento legal e financiamento público para que a história não repita a tragédia mesmo que metaforicamente.

Um comentário:

  1. Infelizmente no Brasil o poder de comunicar está nas mãos de grandes grupos econômicos e de políticos. As concessões das rádios foram distribuídas entre os detentores do poder como troca de favores. As rádios comunitárias deveriam ser uma alternativa de melhoria nas comunidades, e poderiam prestar auxilio ao poder público em várias tarefas. Mais qual o política que deseja que o cidadão fique bem informado e mais consciente de seus direitos?

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