segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O diálogo para além do encontro

Depois de anos, decidi reler Paulo Freire. No início da década passada, quando fiz uma especialização em Docência do Ensino Superior, tive o primeiro contato mais sistemático com o educador brasileiro, mas restrito ao estudo de obras mais voltadas para a didática, como a “Educação como prática da liberdade” e “Pedagogia da Autonomia” que se tornaram referência para meu trabalho de conclusão daquele curso. Claro que minha relação com o educador, vem de bem antes, com as práticas do método “Ver-Julgar-Agir” no movimento pastoral e popular na década de 1980. 

Mais tarde no mestrado, construindo a dissertação, me deparo inesperadamente com Freire, quando descobri que minha principal referência, Jesús Martín-Barbero, tinha sido inspirado pelas leituras do educador. Agora, num tempo marcado por profundos sectarismos retorno a leitura de Freire, com sua obra mais densa, “A Pedagogia do Oprimido”. A profundidade da escrita do educador me surpreendeu, principalmente, para um leitor acostumado com seus escritos didáticos. Os conceitos, apresentados neste livro, de horizontalizar a educação, da diferença entre radicalismo e sectarismo e da contextualização a partir dos temas geradores, além de fundamentais, continuam revolucionários. Pouco conseguimos aplica-los não só na sala de aula, mas em nossas vidas sociais e política. 

No entanto, minha relação de leitura com Freire é também bem paradoxal. Além de uma repulsa ao reducionismo dialético freiriano (como se obrigatoriamente todos os fenômenos sociais, fossem desenrolados pelo trinômio tese-antítese-síntese), vejo fortes contradições no autor. Ao mesmo tempo que ele tem como princípios o papel crítico, a problematização da realidade, o diálogo e o “ser mais” , Freire apresenta um inevitável autoritarismo na defesa de suas ideias. A autenticidade, o homem como ser da comunicação e o diálogo como um encontro amoroso entre as pessoas são axiomas não questionados em sua escrita. O ser autêntico, que não é definido nem problematizado, serve de critério de reprovação ou aprovação moral de alguns comportamentos descritos. O homem como ser da comunicação e a vocação do “ser mais” são ideias jogadas sem conceitos, sem questionamentos nem oposições. Tudo isso para defender no fim a crença da superioridade e onipresença no conhecimento intelectual e de uma razão universal e verdadeira.

Comecemos a pensar pelo fim: existe um logos-razão universal único que se impõe-sobrepõe-perpassa todas as representações sobre o mundo e as culturas? Como se sustenta essa ideia, se a racionalidade é uma construção social e histórica, condicionada pelos contextos específicos, podendo ter em cada pensamento racional significados, versões, representações e posições singulares, divergentes e não relacionáveis? Tomemos o seguinte exemplo, adaptado a partir do livra “A ideia de Justiça” de Amartya Sen. Três crianças disputam a posse de uma flauta, compartilhada durante uma temporada de férias. Como vão regressar para suas casas e irão viver longe, só uma poderá ficar com o instrumento. Todas são carentes e possuem uma razão para pleitear a posse. A primeira foi quem fabricou, com recursos comuns, a flauta, mas não sabe tocá-la. A segunda reivindica porque possuía semelhante instrumento, que lhe foi furtado, quando começava a aprender a tocá-lo. A terceira quer a flauta porque é a única que realmente sabe tocar, podendo assim desenvolver seu conhecimento. Diante de uma situação destas qualquer tentativa de excluir um dos plausíveis argumentos será totalmente subjetiva. A razão se apresenta assim inevitavelmente parcial e insuficiente para uma tomada de decisão, por mais, que se tente forçar um diálogo em busca do mérito das argumentações. Talvez o máximo que se consiga, num debate deste, é a vitória da performance da retórica ou sobreposição da insistência sobre o cansaço.  Ambas situações não possuem qualquer sustentação na construção horizontal de uma racionalidade universal e dialógica (no sentido de encontro amoroso entre os homens). Pelo contrário, representam uma forma de opressão da persuasão ou do ativismo.

Ademais da necessidade de re-des-construir o mito do logos universal e da superioridade do conhecimento intelectual, tão propagado desde positivismo científico de Augusto Comte, por mais que se busque a horizontalidade e a participação na sua construção, é necessário questionar também os limites do diálogo. Num ambiente de múltiplas e, muitas vezes, divergentes racionalidades, como o diálogo pode ser considerado como um encontro amoroso das pessoas¿ O diálogo também não o é quase sempre conflitivo? O que condiciona as posições das pessoas numa relação dialógica são sempre posicionamentos racionais ou, na maioria das vezes, sentimentos (empatias, frustações, traumas, crenças...)? E sendo assim qual o papel dos sentimentos nas relações sociais? Devem estar a reboque, reprimidos e sob controle do logos pretensamente universal? Como equalizar sentimentos subjetivos e razões particulares? Talvez, Freire respondesse com a fé incondicional no radicalismo do ser mais das pessoas. Mas essa fé não é tão só mais uma das muitas expressões políticas culturais possíveis, que, para ter validade, necessariamente deverá ser compartilhada com todos e todas? Vê-la diferente não é manifestação do autoritarismo?

O diálogo, sem sombras de dúvidas, é fundamental na vida social. Através dele podemos nos encontrar, debater, compartilhar pensamentos, trocar e conflitar ideais, mas dificilmente conseguimos chegar a um consenso porque o que nos faz pessoas são nossas diferenças, caso contrário, seriamos simplesmente simulacros sem personalidades, em outras palavras, cópias um dos outros. Nesta condição, o diálogo, pensado nesta inevitável condição agonística, como nos ensina a pesquisadora belga Chantal Mouffe, parte da humilde meta de construir acordos razoáveis, que não necessariamente vão mudar nossa forma de ver o mundo ou superar nossas diferenças, mas vão ser tecidos transparente e intencionalmente para possibilitar nossa tolerância, coabitação e convivência. São cessões que, muitas vezes, ferem nossas convicções e nossa - tão exaltada por Freire – autoconsciência. São decisões diante dos conflitos intransponíveis, baseadas na alteridade e na reciprocidade. Pensar no outro e fazer (exigir) que o outro também pense em nós. E aí podemos encontrar algo bem mais humilde e altero do que o “ser mais” e mais viável do que a crença na razão universal: a razoabilidade da política. Assim a educação é também um ato político, que, além de partilhar conhecimentos, possibilita o respeito e a aceitação de outros conhecimentos que divergem da ciência. 

Referências:
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
__________. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
__________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofícios de cartógrafo: travessas latino-americanas da comunicação na cultura. SP: Ed. Loyola, 2004. 
MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1986.  
SEN, Amartya. A ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 

A educação a partir da comunicação


A escola já não possui, segundo Jésus Martín-Barbero, centralidade nos processos de socialização dos saberes. A educação formal não é a principal referência de conhecimento para jovens e adolescentes que, muitas vezes, aprendem com mais facilidade a partir das informações que circulam na internet, nos jogos eletrônicos, nas séries da TV e nas músicas das rádios. Alguns inclusive passam mais tempo usando estas tecnologias do que na sala de aula.

Esta tese do filósofo hispano-colombiano desenvolvida no livro “A comunicação na educação”, me fez recordar quando coordenava um Grupo de Trabalho de Comunicação e Educação na Conferência Regional da Comunicação do Sertão Central em 2010. Depois de quase intermináveis acusações sobre as deficiências escolares, uma professora tomou a fala e retrucou: “a escola não pode ser vista ou tratada como a culpada ou a solução de todos os problemas sociais”. Ela citou um exemplo de uma iniciativa de educação sexual que ela ministrou em sua turma do ensino fundamental. Através de um material didático aparentemente atrativo com uma colorida programação visual e repleto de ilustrações, ela iniciou a aula falando sobre os órgãos genitais e a reprodução sexual. Em pouco tempo, os estudantes, adolescentes do ensino fundamental, começaram a rir. Ela pensou que era uma manifestação da surpreendente novidade. A professora rapidamente questionou o motivo das risadas, mas quem se surpreendeu foi ela com a resposta: “Tia, nós já vimos isso com pessoas de verdade na internet e não com desenhos e bonecos! Hahahahaha!”. A constrangedora situação diminuiu as dúvidas da professora sobre o atual lugar da escola na disputa dos sentidos sociais e do conhecimento.

A situação denominada,por José Luís Braga, no livro “A sociedade enfrenta a midia”, de midiatização demonstra a centralidade que a mídia possui nas sociedades contemporâneas. Os meios de comunicação não são só referência na educação, mas se tornaram centrais em quase todas as relações sociais. Os processos de exclusão-inclusão de valores, modos de vida, grupos sociais e saberes são reforçados e consolidados pela comunicação midiática. O debate público sobre as decisões políticas é negado, distorcido ou realizado pelos meios massivos. A vida pessoal é, muitas vezes, organizada em rotinas que necessitam do acesso à internet, da leitura de impressos, da assistência da televisão e-ou da audiência do rádio. Assim, mesmo que não sejam educativos, os meios inevitavelmente educam porque partilham os sentidos sobre a vida social. A questão é qual tipo de educação a mídia promove.

Paulo Freire já, na década de 1960, nos alertava que a educação é uma prática comunicativa que pode ser vertical e autoritária, concentrando a fala e o conhecimento num pólo emissor ou pode ser horizontal, ou democrática, possibilitando a participação ampla na construção coletiva dos saberes. Opondo-se à educação que ele denomina de bancária, o educador propõe assim que esta prática seja o encontro amoroso das pessoas, que mediatizadas pela palavra, possam dialogar, isto é, construam a educação pela respeitosa troca de ideias, opiniões, informações e emoções. Este encontro só constrói sentidos horizontais ao relacionar-se com os diversos conhecimentos locais que circulam entre educador e educando, realizando a leitura dos textos a partir dos contextos.

Desta maneira, para possibilitar uma educação emancipadora, os meios de comunicação massivos precisam passar por uma radical e profunda mudança de suas práticas, processos e posturas. Ser uma mídia educativa significa não só inserir temas transversais, como cidadania, saúde e meio ambiente, em sua programação, mas tornar-se uma mídia participativa. Ou seja, a comunicação educativa exige a democratização dos meios que possam ter programação, produção, planejamento e gestão horizontalizados, estando no controle do público e não dos interesses empresarial que promovem predominantemente o consumismo insustentável, a distorção da política e a marginalização das diferenças.

Mesmo com todas as dificuldades, a educação formal pode assumir dois papéis neste processo, que podem colaborar inclusive para o reposicionamento social da escola. O primeiro é a promoção da leitura crítica dos meios de comunicação. Os estudantes não podem restringir seus conhecimentos à aprendizagem da leitura a textos literários e acadêmicos. É fundamental aprender ler a internet, os jornais, a televisão, o cinema… Para isso, é preciso compreender quais os interesses que permeiam a produção, o que foi omitido, as informações priorizadas e distorcidas e quais as consequências sociais. A escola deve também tornar-se um ecossistema de comunicação midiática, como defende o professor da USP, Ismar Soares de Oliveira. A criação de uma rádio, um jornal, blog, redes sociais e vídeos no ambiente escolar possibilitam não só a expressividade dos estudantes, como também repensar as relações entre discentes e docentes, rompendo com a centralidade da fala destes últimos. Além disso, a apropriação dos meios, possibilita os estudantes compreenderem suas competências e entenderem que todos possuímos o direito de comunicar-se. Este processo é denominado por autores como Cristina Matta, Cicília Peruzo e Elfrandy Maldonato de cidadania comunicativa.

Trazer a produção e a discussão da mídia para a educação, desloca a importância dos meios para a escola. A educação passa a ser ambiente de articulação dos saberes que permeiam os diversos espaços comunicacionais. Acima de tudo, torna-se, sem grandes ambições, um espaço de debate, sobre a reflexividade entre meios e sociedade. Este deslocamento pode empoderar a legitimidade e o papel social da educação e repensar as práticas comunicativas.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O jornalismo está se transformando em marketing de conteúdo?

Produtor de notícias é o conceito sintético, dentre as tantas definições possíveis, para o profissional do jornalismo. Mas não menos problemático é o conceito de notícia, que pode ir do reflexo fiel da realidade da Teoria do Espelho à complexa Rede Noticiosa de news promoters (fontes), news assemblers (jornalistas) e news consumers (consumidores de notícias), elaborada pela socióloga Guye Tuchman. Novamente, utilizando uma definição residual, Marques de Melo considera notícias como fatos atuais de relevância pública.

Quando pensamos na atualidade significa que um dos critérios de seleção dos fatos é a ancoragem no presente. Memórias e prognósticos, geralmente, só se tornam produtos jornalísticos quando articulados com o tempo atual. Já a definição de fatos nos põe num ambiente turvo, pois esbarramos no conceito de acontecimentos da realidade. A epistemologia, ao menos desde os Clássicos Gregos, discute esta relação do conhecimento com o mundo real. Entre as diversas correntes, estão os transcendentalistas que defendem a inevitável mediação do acesso à realidade por nossas representações, estruturadas por meio da linguagem, visões de mundo e modos de vida. Assim, os fatos são diversos não só pela infindável quantidade de acontecimentos, mas pelas diversas visões sobre esses. Para o jornalista  aproximar-se da realidade, precisa respeitar esta diversidade, construindo notícias com as mais diferentes versões sobre os fatos. Esta é, para Francisco Karam, a base do Direito Social à Informação, conceito tecido durante a Segunda Grande Guerra Mundial, pelo jornalista da France Press, Paul-Louis Bret, que reivindica a garantia da produção jornalística com pluralidade. Junto com a Liberdade de Expressão e as Políticas de Regulação compõe a tríade constituinte do Direito à Comunicação. Então, o papel social do jornalismo está intimamente ligado à pluralidade informacional. Além de diversas e atuais, as notícias devem ser fatos de interesse público, isto é, não podem tratar de questões de foro privado e precisam contribuir com a vida social.

Na vivência cotidiana das redações, estes conceitos enfrentam obstáculos quase intransponíveis. O primeiro é a estrutura organizacional dos próprios meios de comunicação. Como lembra Marques de Melo, a notícia é um produto de uma teia de articulações de interesses que vão das expectativas dos públicos e dos valores-notícia dos jornalistas aos interesses econômicos, políticos e culturais das empresas jornalísticas. Assim a relevância social e a pluralidade dos fatos é negociada ou, na maior da parte das vezes, se submete às estratégias para conquistar audiências, anunciantes e apoios políticos. O ethos empresarial pode predominar não por uma explícita manipulação da produção jornalística, mas por ações de constrangimento e de estímulo, que transitam implicitamente entre os jornalistas, como num processo de osmose. O segundo obstáculo que enfrenta a produção de notícias plurais e socialmente relevantes é, de acordo com Guye Tuchman, a ditadura do "dead line', isto é, da hora de fechamento das notícias. Como qualquer produto comercial, o jornalismo obedece padrões de veiculação e circulação com tempos e espaços previamente definidos. Assim, o jornalista tem hora e espaço delimitados para concluir e publicar a apuração das informações, o que, muitas vezes, compromete a pluralidade da notícia. Em tempo de internet e redes sociais digitais, a hora do fechamento se torna cada vez mais curta, podendo ser inclusive o próximo minuto.

Uma notícia sem pluralidade ou sem relevância social se torna um material publicitário, atualmente denominado de marketing de conteúdo. São fatos que podem ser produzidos com várias qualidades informacionais (como densidade, profundidade, objetividade...), mas apresentando apenas uma das possíveis versões da realidade em benefício de um anunciante. Este produto se torna imprescindível, principalmente, numa época não só de blogueiros e youtubers, mas também da incessante necessidade de conteúdos para abastecer os perfis nas redes sociais de empresas, governos, políticos e até organizações sociais. Os veículos jornalísticos não ficam de fora. Constantemente, produzem este tipo publicidade, enganosamente apresentada como notícias. Não são raras as matérias dos meios massivos que não respeitam o direito de resposta, que apresentam apenas uma versão (geralmente a oficial ou de grupos economicamente dominantes) ou privilegiam uma fala em detrimento da marginalização de outras retratadas. Assim, num tempo de convergência de processos, produtos, meios, formatos, empresas e consumo, o jornalista vive o desafio se distanciar da produção desta infopublicidade velada, mesmo tendo quase todas as condições de trabalho contrárias a isso.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A partilha da produção do conhecimento

O pesquisador social mexicano Jesús Galindo Cáceres aponta três etapas na produção do conhecimento científico. A primeira é o processo de exploração, que se dá no contato do pesquisador com a realidade, elaborada por fluxos de impressões e expressões e registrada em instrumentos como diário de campo, gravações, imagens e relatórios. É o momento de conexão com um mundo que deve estar além das construções simbólicas anteriormente organizadas. É uma relação conflitiva porque os pressupostos, inclusive que fundamentam a pesquisa, podem ser contrariados e as convicções, confrontadas, por isso, o investigador necessita cultivar um desapego a seu saber prévio e até a suas motivações, sabendo que só assim poderá produzir e acumular novos conhecimentos.

Através do erro e da falibilidade de experimentos e de pressupostos, como defende o realismo débil do filósofo alemão Jürgen Habermas, é possível a ciência evoluir e encontrar algo da realidade além das construções simbólicas dos pesquisadores, nas quais inevitavelmente todos estão submetidos. Nas ciências sociais, é o momento para  relacionar-se com as diferenças e divergências. O principal desafio se constitui assim em tirar a tolerância e alteridade dos conceitos abstratos para transformá-los em ações que promovam a coabitação, colaboração e solidariedade nas diversas circunstâncias da pesquisa. Aceitar o outro significa também, muitas vezes, conviver com costumes e valores contrários ao do próprio pesquisador, que para isso precisa exercitar um desapego não só de seu conhecimento, mas de sua própria cultura e crenças.

Depois desse difícil e rico momento, a etapa seguinte de descrição desafia o pesquisador a transfigurar os dados coletados em novas representações sobre a realidade. A partir da elaboração dos mapas detalhados, traçados na exploração em todas as dimensões e versões possíveis, inclusive nas contraditórias, se descreve o mundo investigado. No entanto, é um inevitável processo de desgaste quando dados são perdidos, esquecidos ou descartados. O pesquisador sempre estará diante de uma realidade muito mais ampla do que sua capacidade de nomeação. Recortes e escolhas precisam ser tomadas, mas estas ações e seus critérios devem ser transparentes, principalmente para não causar a falsa impressão que pesquisa dá conta de uma realidade muito mais vasta do que a representada. Estas seleções necessitam ainda, como na etapa anterior, cultivar o desapego de apresentar também o conhecimento que contraria os conceitos a priori, possibilitando dar clareza à inovação e ao acúmulo do conhecimento produzido.

A terceira etapa, proposta por Cárceres, é a de significação, o momento de sintetizar, configurar e teorizar as experiências vivenciadas em campo. É a ocasião da mais intensa relação de dados com os conceitos anteriores e sucessores, gestados a partir das experiências de exploração e descrição. A significação deve comprovar que a sistematização teórica é uma construção simbólica imprescindivelmente conectada à realidade investigada. É quando a comunicação científica é tecida por meio dos mais diversos relatórios de pesquisa, como teses, dissertações, monografias e artigos. Há uma dupla preocupação. Primeiro a profundidade do texto com a, mesmo que editada, diversa e vasta realidade retratada. A segunda é a compreensão de quem é o público leitor e qual o endereçamento necessário para atender suas expectativas.

Para dar conta deste mundo tão vasto e diverso relacionado a conceitos, que possibilitam uma profunda representação concatenada plasivel e logicamente nas várias capilaridades da realidade, o pesquisador, muita vezes, transgride um dos princípios fundamentais da linguagem: a clareza. A comunicação científica, por isso, constrói, muitas vezes, textos prolixos que refletem este embaraço nas frases com várias subordinações e adjetivações e nos neologismo ou metáforas dos conceitos. Mas para quem é produzida a comunicação científica? Destina-se à comunidade de especialistas da área ou aos leitores leigos? Se forem para os primeiros, é necessário compreender que este processo, denominado de difusão científica, visa não só por este conhecimento a disposição para o acúmulo em novas pesquisas, mas colocá-lo à prova e ao crivo de outros pesquisadores que, assim, poderão verificá-lo, questioná-lo, refina-lo e ou refutá-lo.

No entanto, a elaboração de uma comunicação científica voltada para a comunidade especializada exige outro momento posterior à significação que traduz para os diversos públicos, nos quais a ciência encontra não só sua legitimidade, mas seu papel social. Esta etapa, que acrescento à proposta de Cáceres, denomino aqui de partilha, podendo ser nomeada nas universidades de extensão. É composta, além da tradução ou divulgação científica, pelo diálogo entre saberes e pela distribuição ou aplicação dos conhecimentos. A tradução não é tão somente um momento de popularização da ciência (algumas vezes, confundida com a espetacularização promovida pelos meios de comunicação massivos), mas é o delicado momento de seleção de quais informações são imprescindíveis aos públicos e quais os possíveis prejuízos do descarte de dados.

É um processo compensatório quando se mede os desgastes à ciência e sua apropriação pelos variados público, que não só pode produzir benefícios sociais, mas inevitavelmente modifica os significados tecidos, algumas vezes, até subvertendo-os. Este é o irrefutável diálogo, só reconhecido quando, além da tradução e atenção à apropriação dos significados partilhados, há compreensão dos múltiplos saberes e que a ciência é, junto com a arte, o senso comum, o jornalismo e a religião, uma destas possibilidades, não necessariamente superior ou inferior,  de representação da realidade. A singularidade do conhecimento científico pode estar no compromisso que deve possuir não só de melhorar a qualidade de vida, mas que esta seja sustentavelmente distribuída aos diversos públicos de interesse que, neste processo, poderão demandar e criar condições para produção de um novo conhecimento científico mais refinado e aprofundado.

Referências:
HABERMAS, Jurgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.
GALINDO CÁCERES, Luís Jesús. Sabor a ti: metodologia cualitativa en la investigación social. Xalapa: Universidad Veracruziana. 1997.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Repórter Cuca: juventude e comunicação a favor da cidadania


Integrar jovens e formar cidadãos são os principais propósitos da Rede de Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Rede Cuca) em Fortaleza. Congregando esses objetivos à necessidade de divulgar os projetos e atividades da Rede, surgiu o Repórter Cuca: um programa de formação em comunicação e produção de conteúdos para jovens entre 15 e 29 anos. Composto por 12 integrantes, sendo seis para cada Cuca, o programa é responsável pela cobertura das atividades culturais e sociais dos centros, além de produzir notícias voltadas aos interesses da juventude e ao respeito aos direitos humanos.

A equipe do Repórter Cuca divulga a agenda cultural em meios digitais e na rádio de alto-falantes dos Cucas, publica pequenos vídeos e reportagens – entre um e dez minutos de duração – no canal Comunicação Popular do YouTube e também gerencia uma página própria no Facebook.

Escute a entrevista de Nágela Gois, ex-participante do Repórter Cuca e estudante de Jornalismo, sobre o projeto:


Caroline Souza é estudante de uma Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) e estagiária do projeto, ela afirma que os jovens têm total liberdade de edição e de produção, mas que muitas vezes as produções realizadas acabam à divulgação de agenda. A estudante conta também que seu estágio é de quatro horas diárias durante o turno da tarde.

Tábata Campos iniciou no meio da comunicação como repórter Cuca na unidade Barra do Ceará. A universitária – que também estagia no setor de comunicação da Rede Cuca – afirma que, por causa da liberdade, existem algumas diferenças entre as produções dos três centros. “Na Barra é muito forte a questão do rádio, fazíamos muitas produções: spots, flashes etc. Aqui (no Mudubim) tem mais impresso e internet”, comenta.

As seleções para o programa Repórter Cuca ocorrem, no geral, de dois em dois anos. Para participar, os candidatos devem preencher uma ficha de inscrição na coordenação dos Cucas e apresentar cópias do RG e CPF. Ainda é necessário também ter participado de algum programa ou curso ofertados pela Rede Cuca.

Confira uma das produções do Repórter Cuca:




Expediente:
Texto/Imagens: Paulo Cardoso, Daniel Rezende e Emanuel Denizard
Podcast: Lérida Freire
Vídeo e Edição Final: Yngrid Matsunobu

Reportagem realizada pelos alunos de Jornalismo, da Universidade Federal do Ceará, sob orientação do Prof. Dr. Ismar Capistrano.