segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A educação a partir da comunicação


A escola já não possui, segundo Jésus Martín-Barbero, centralidade nos processos de socialização dos saberes. A educação formal não é a principal referência de conhecimento para jovens e adolescentes que, muitas vezes, aprendem com mais facilidade a partir das informações que circulam na internet, nos jogos eletrônicos, nas séries da TV e nas músicas das rádios. Alguns inclusive passam mais tempo usando estas tecnologias do que na sala de aula.

Esta tese do filósofo hispano-colombiano desenvolvida no livro “A comunicação na educação”, me fez recordar quando coordenava um Grupo de Trabalho de Comunicação e Educação na Conferência Regional da Comunicação do Sertão Central em 2010. Depois de quase intermináveis acusações sobre as deficiências escolares, uma professora tomou a fala e retrucou: “a escola não pode ser vista ou tratada como a culpada ou a solução de todos os problemas sociais”. Ela citou um exemplo de uma iniciativa de educação sexual que ela ministrou em sua turma do ensino fundamental. Através de um material didático aparentemente atrativo com uma colorida programação visual e repleto de ilustrações, ela iniciou a aula falando sobre os órgãos genitais e a reprodução sexual. Em pouco tempo, os estudantes, adolescentes do ensino fundamental, começaram a rir. Ela pensou que era uma manifestação da surpreendente novidade. A professora rapidamente questionou o motivo das risadas, mas quem se surpreendeu foi ela com a resposta: “Tia, nós já vimos isso com pessoas de verdade na internet e não com desenhos e bonecos! Hahahahaha!”. A constrangedora situação diminuiu as dúvidas da professora sobre o atual lugar da escola na disputa dos sentidos sociais e do conhecimento.

A situação denominada,por José Luís Braga, no livro “A sociedade enfrenta a midia”, de midiatização demonstra a centralidade que a mídia possui nas sociedades contemporâneas. Os meios de comunicação não são só referência na educação, mas se tornaram centrais em quase todas as relações sociais. Os processos de exclusão-inclusão de valores, modos de vida, grupos sociais e saberes são reforçados e consolidados pela comunicação midiática. O debate público sobre as decisões políticas é negado, distorcido ou realizado pelos meios massivos. A vida pessoal é, muitas vezes, organizada em rotinas que necessitam do acesso à internet, da leitura de impressos, da assistência da televisão e-ou da audiência do rádio. Assim, mesmo que não sejam educativos, os meios inevitavelmente educam porque partilham os sentidos sobre a vida social. A questão é qual tipo de educação a mídia promove.

Paulo Freire já, na década de 1960, nos alertava que a educação é uma prática comunicativa que pode ser vertical e autoritária, concentrando a fala e o conhecimento num pólo emissor ou pode ser horizontal, ou democrática, possibilitando a participação ampla na construção coletiva dos saberes. Opondo-se à educação que ele denomina de bancária, o educador propõe assim que esta prática seja o encontro amoroso das pessoas, que mediatizadas pela palavra, possam dialogar, isto é, construam a educação pela respeitosa troca de ideias, opiniões, informações e emoções. Este encontro só constrói sentidos horizontais ao relacionar-se com os diversos conhecimentos locais que circulam entre educador e educando, realizando a leitura dos textos a partir dos contextos.

Desta maneira, para possibilitar uma educação emancipadora, os meios de comunicação massivos precisam passar por uma radical e profunda mudança de suas práticas, processos e posturas. Ser uma mídia educativa significa não só inserir temas transversais, como cidadania, saúde e meio ambiente, em sua programação, mas tornar-se uma mídia participativa. Ou seja, a comunicação educativa exige a democratização dos meios que possam ter programação, produção, planejamento e gestão horizontalizados, estando no controle do público e não dos interesses empresarial que promovem predominantemente o consumismo insustentável, a distorção da política e a marginalização das diferenças.

Mesmo com todas as dificuldades, a educação formal pode assumir dois papéis neste processo, que podem colaborar inclusive para o reposicionamento social da escola. O primeiro é a promoção da leitura crítica dos meios de comunicação. Os estudantes não podem restringir seus conhecimentos à aprendizagem da leitura a textos literários e acadêmicos. É fundamental aprender ler a internet, os jornais, a televisão, o cinema… Para isso, é preciso compreender quais os interesses que permeiam a produção, o que foi omitido, as informações priorizadas e distorcidas e quais as consequências sociais. A escola deve também tornar-se um ecossistema de comunicação midiática, como defende o professor da USP, Ismar Soares de Oliveira. A criação de uma rádio, um jornal, blog, redes sociais e vídeos no ambiente escolar possibilitam não só a expressividade dos estudantes, como também repensar as relações entre discentes e docentes, rompendo com a centralidade da fala destes últimos. Além disso, a apropriação dos meios, possibilita os estudantes compreenderem suas competências e entenderem que todos possuímos o direito de comunicar-se. Este processo é denominado por autores como Cristina Matta, Cicília Peruzo e Elfrandy Maldonato de cidadania comunicativa.

Trazer a produção e a discussão da mídia para a educação, desloca a importância dos meios para a escola. A educação passa a ser ambiente de articulação dos saberes que permeiam os diversos espaços comunicacionais. Acima de tudo, torna-se, sem grandes ambições, um espaço de debate, sobre a reflexividade entre meios e sociedade. Este deslocamento pode empoderar a legitimidade e o papel social da educação e repensar as práticas comunicativas.

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