Produtor de notícias é o conceito sintético, dentre as tantas definições possíveis, para o profissional do jornalismo. Mas não menos problemático é o conceito de notícia, que pode ir do reflexo fiel da realidade da Teoria do Espelho à complexa Rede Noticiosa de news promoters (fontes), news assemblers (jornalistas) e news consumers (consumidores de notícias), elaborada pela socióloga Guye Tuchman. Novamente, utilizando uma definição residual, Marques de Melo considera notícias como fatos atuais de relevância pública.
Quando pensamos na atualidade significa que um dos critérios de seleção dos fatos é a ancoragem no presente. Memórias e prognósticos, geralmente, só se tornam produtos jornalísticos quando articulados com o tempo atual. Já a definição de fatos nos põe num ambiente turvo, pois esbarramos no conceito de acontecimentos da realidade. A epistemologia, ao menos desde os Clássicos Gregos, discute esta relação do conhecimento com o mundo real. Entre as diversas correntes, estão os transcendentalistas que defendem a inevitável mediação do acesso à realidade por nossas representações, estruturadas por meio da linguagem, visões de mundo e modos de vida. Assim, os fatos são diversos não só pela infindável quantidade de acontecimentos, mas pelas diversas visões sobre esses. Para o jornalista aproximar-se da realidade, precisa respeitar esta diversidade, construindo notícias com as mais diferentes versões sobre os fatos. Esta é, para Francisco Karam, a base do Direito Social à Informação, conceito tecido durante a Segunda Grande Guerra Mundial, pelo jornalista da France Press, Paul-Louis Bret, que reivindica a garantia da produção jornalística com pluralidade. Junto com a Liberdade de Expressão e as Políticas de Regulação compõe a tríade constituinte do Direito à Comunicação. Então, o papel social do jornalismo está intimamente ligado à pluralidade informacional. Além de diversas e atuais, as notícias devem ser fatos de interesse público, isto é, não podem tratar de questões de foro privado e precisam contribuir com a vida social.
Na vivência cotidiana das redações, estes conceitos enfrentam obstáculos quase intransponíveis. O primeiro é a estrutura organizacional dos próprios meios de comunicação. Como lembra Marques de Melo, a notícia é um produto de uma teia de articulações de interesses que vão das expectativas dos públicos e dos valores-notícia dos jornalistas aos interesses econômicos, políticos e culturais das empresas jornalísticas. Assim a relevância social e a pluralidade dos fatos é negociada ou, na maior da parte das vezes, se submete às estratégias para conquistar audiências, anunciantes e apoios políticos. O ethos empresarial pode predominar não por uma explícita manipulação da produção jornalística, mas por ações de constrangimento e de estímulo, que transitam implicitamente entre os jornalistas, como num processo de osmose. O segundo obstáculo que enfrenta a produção de notícias plurais e socialmente relevantes é, de acordo com Guye Tuchman, a ditadura do "dead line', isto é, da hora de fechamento das notícias. Como qualquer produto comercial, o jornalismo obedece padrões de veiculação e circulação com tempos e espaços previamente definidos. Assim, o jornalista tem hora e espaço delimitados para concluir e publicar a apuração das informações, o que, muitas vezes, compromete a pluralidade da notícia. Em tempo de internet e redes sociais digitais, a hora do fechamento se torna cada vez mais curta, podendo ser inclusive o próximo minuto.
Uma notícia sem pluralidade ou sem relevância social se torna um material publicitário, atualmente denominado de marketing de conteúdo. São fatos que podem ser produzidos com várias qualidades informacionais (como densidade, profundidade, objetividade...), mas apresentando apenas uma das possíveis versões da realidade em benefício de um anunciante. Este produto se torna imprescindível, principalmente, numa época não só de blogueiros e youtubers, mas também da incessante necessidade de conteúdos para abastecer os perfis nas redes sociais de empresas, governos, políticos e até organizações sociais. Os veículos jornalísticos não ficam de fora. Constantemente, produzem este tipo publicidade, enganosamente apresentada como notícias. Não são raras as matérias dos meios massivos que não respeitam o direito de resposta, que apresentam apenas uma versão (geralmente a oficial ou de grupos economicamente dominantes) ou privilegiam uma fala em detrimento da marginalização de outras retratadas. Assim, num tempo de convergência de processos, produtos, meios, formatos, empresas e consumo, o jornalista vive o desafio se distanciar da produção desta infopublicidade velada, mesmo tendo quase todas as condições de trabalho contrárias a isso.
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