O pesquisador social mexicano Jesús Galindo Cáceres aponta três
etapas na produção do conhecimento científico. A primeira é o processo
de exploração, que se dá no contato do pesquisador com a realidade,
elaborada por fluxos de impressões e expressões e registrada em
instrumentos como diário de campo, gravações, imagens e relatórios. É o
momento de conexão com um mundo que deve estar além das construções
simbólicas anteriormente organizadas. É uma relação conflitiva porque os
pressupostos, inclusive que fundamentam a pesquisa, podem ser
contrariados e as convicções, confrontadas, por isso, o investigador
necessita cultivar um desapego a seu saber prévio e até a suas
motivações, sabendo que só assim poderá produzir e acumular novos
conhecimentos.
Através do erro e da falibilidade de experimentos e de pressupostos,
como defende o realismo débil do filósofo alemão Jürgen Habermas, é
possível a ciência evoluir e encontrar algo da realidade além das
construções simbólicas dos pesquisadores, nas quais inevitavelmente
todos estão submetidos. Nas ciências sociais, é o momento para
relacionar-se com as diferenças e divergências. O principal desafio se
constitui assim em tirar a tolerância e alteridade dos conceitos
abstratos para transformá-los em ações que promovam a coabitação,
colaboração e solidariedade nas diversas circunstâncias da pesquisa.
Aceitar o outro significa também, muitas vezes, conviver com costumes e
valores contrários ao do próprio pesquisador, que para isso precisa
exercitar um desapego não só de seu conhecimento, mas de sua própria
cultura e crenças.
Depois desse difícil e rico momento, a etapa seguinte de descrição
desafia o pesquisador a transfigurar os dados coletados em novas
representações sobre a realidade. A partir da elaboração dos mapas
detalhados, traçados na exploração em todas as dimensões e versões
possíveis, inclusive nas contraditórias, se descreve o mundo
investigado. No entanto, é um inevitável processo de desgaste quando
dados são perdidos, esquecidos ou descartados. O pesquisador sempre
estará diante de uma realidade muito mais ampla do que sua capacidade de
nomeação. Recortes e escolhas precisam ser tomadas, mas estas ações e
seus critérios devem ser transparentes, principalmente para não causar a
falsa impressão que pesquisa dá conta de uma realidade muito mais vasta
do que a representada. Estas seleções necessitam ainda, como na etapa
anterior, cultivar o desapego de apresentar também o conhecimento que
contraria os conceitos a priori, possibilitando dar clareza à inovação e ao acúmulo do conhecimento produzido.
A terceira etapa, proposta por Cárceres, é a de significação, o
momento de sintetizar, configurar e teorizar as experiências vivenciadas
em campo. É a ocasião da mais intensa relação de dados com os conceitos
anteriores e sucessores, gestados a partir das experiências de
exploração e descrição. A significação deve comprovar que a
sistematização teórica é uma construção simbólica imprescindivelmente
conectada à realidade investigada. É quando a comunicação científica é
tecida por meio dos mais diversos relatórios de pesquisa, como teses,
dissertações, monografias e artigos. Há uma dupla preocupação. Primeiro a
profundidade do texto com a, mesmo que editada, diversa e vasta
realidade retratada. A segunda é a compreensão de quem é o público
leitor e qual o endereçamento necessário para atender suas expectativas.
Para dar conta deste mundo tão vasto e diverso relacionado a
conceitos, que possibilitam uma profunda representação concatenada
plasivel e logicamente nas várias capilaridades da realidade, o
pesquisador, muita vezes, transgride um dos princípios fundamentais da
linguagem: a clareza. A comunicação científica, por isso, constrói,
muitas vezes, textos prolixos que refletem este embaraço nas frases com
várias subordinações e adjetivações e nos neologismo ou metáforas dos
conceitos. Mas para quem é produzida a comunicação científica?
Destina-se à comunidade de especialistas da área ou aos leitores leigos?
Se forem para os primeiros, é necessário compreender que este processo,
denominado de difusão científica, visa não só por este conhecimento a
disposição para o acúmulo em novas pesquisas, mas colocá-lo à prova e ao
crivo de outros pesquisadores que, assim, poderão verificá-lo,
questioná-lo, refina-lo e ou refutá-lo.
No entanto, a elaboração de uma comunicação científica voltada para a
comunidade especializada exige outro momento posterior à significação
que traduz para os diversos públicos, nos quais a ciência encontra não
só sua legitimidade, mas seu papel social. Esta etapa, que acrescento à
proposta de Cáceres, denomino aqui de partilha, podendo ser nomeada nas
universidades de extensão. É composta, além da tradução ou divulgação
científica, pelo diálogo entre saberes e pela distribuição ou aplicação
dos conhecimentos. A tradução não é tão somente um momento de
popularização da ciência (algumas vezes, confundida com a
espetacularização promovida pelos meios de comunicação massivos), mas é o
delicado momento de seleção de quais informações são imprescindíveis
aos públicos e quais os possíveis prejuízos do descarte de dados.
É um
processo compensatório quando se mede os desgastes à ciência e sua
apropriação pelos variados público, que não só pode produzir benefícios
sociais, mas inevitavelmente modifica os significados tecidos, algumas
vezes, até subvertendo-os. Este é o irrefutável diálogo, só reconhecido
quando, além da tradução e atenção à apropriação dos significados
partilhados, há compreensão dos múltiplos saberes e que a ciência é,
junto com a arte, o senso comum, o jornalismo e a religião, uma destas
possibilidades, não necessariamente superior ou inferior, de
representação da realidade. A singularidade do conhecimento científico
pode estar no compromisso que deve possuir não só de melhorar a
qualidade de vida, mas que esta seja sustentavelmente distribuída aos
diversos públicos de interesse que, neste processo, poderão demandar e
criar condições para produção de um novo conhecimento científico mais
refinado e aprofundado.
Referências:
HABERMAS, Jurgen. Verdade e justificação. Ensaios filosóficos. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.
GALINDO CÁCERES, Luís Jesús. Sabor a ti: metodologia cualitativa en la investigación social. Xalapa: Universidad Veracruziana. 1997.
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