sexta-feira, 3 de abril de 2015

Cultura da transparência ou cultura da intrusão?

A cultura da transparência se tornou, ultimamente, muito mais do que um tema acadêmico, mas uma preocupação governamental e um marketing de empresas, pretensa e falsamente transparentes. Segundo o professor Dr. Derrick de Kerchove da Universidade de Toronto, durante a Conferência de Abertura do Congresso Internacional de Comunicação Ibero-Americano (Ibercom), em 31 de março de 2015, em São Paulo, a explosão dos dados (big data) é uma causas desta inevitável transparência. Para onde vamos, nas redes digitais, deixamos rastros que podem ser voluntariamente ou involuntariamente acompanhados, vasculhados e reconstituídos.

“Antes a tortura era a base da transparência. Hoje é o big data é nosso torturador”, afirmou Kerchove. Ele indica a recomendação de Byung-Chul Han, autor de A sociedade da transparência, para a situação: em vez de lamentar a transparência, precisamos explorar as consequências da transparência. Para isso, necessitamos criar direitos de acesso, de correção, de uso e reuso, de propriedade e distribuição e uma nova Governança, o empowerment de um governo aberto e da democracia em geral e irrestrita. Para ele, esta cultura da transparência seria conquistada também por informação de guerrilha, como o as do Wikileaks, a guerra cibernética dos hackers contra governos autoritários e mobilizações de ruas, como os Anonymous.


Para mim, pensar nesta cultura da transparência, só seria possível se não reconhecêssemos, como ensina o sociólogo francês Dominique Wolton, que a internet possui temporalidades diferentes e distâncias intransponíveis, que há uma defasagem entre o mundo vivido e o mundo representado e que as desigualdades ressurgem entre os mais protegidos e os quase completamente desprotegidos, entre os mais competentes e os menos habilidosos, entre os mais conectados e os poucos conectados... Falar em cultura da transparência pode obscurecer a cultura da intrusão que o mercado e os governos tentam nos impor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário