sexta-feira, 3 de abril de 2015

Latour: o obscurecimento da diversidade nas máquinas e no conhecimento?

Minha sobrecarga durante a investigação doutoral faz com que alguns autores permaneçam anos na minha fila de espera para lê-los. Dentre estes Deleuze, Gatarri, Elias e o francês Brunol Latour, que se destaca não só por estar constantemente circulando nas discussões sobre comunicação, redes, internet e tecnologias, mas por meus pré-conceitos a sua ideia de inteligência artificial e às apresentações sobre sua teoria.

O último contato com as ideias latoursianas foi na palestra do Prof. Dr. André Lemos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), um dos principais pesquisadores brasileiros de Cibercultura, durante a Semana de Abertura do semestre do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 25 de março de 2015.

Três questões me incomodaram em sua fala. Primeiro, a ideia de imunidade de Latour às políticas epistemológicas porque sua teoria não estaria inserida na lógica de disputas acadêmicas, mas pertenceria a lógica de agregar conhecimentos. O questionamento me foi inevitável: seria possível a construção de uma teoria ou epistemologia fora dos conflitos e articulações dos grupos que criam ou se inserem os pesquisadores na construção teórico-metodológica¿ Essa pretensa imunidade não serviria para encobrir uma posição política e epistemológica da ingênua crença nos consensos?

Outra questão que me incomodou foi a forma como Lemos apresentou a ideia de diversidade dos conhecimentos para Latour, afirmando que, por exemplo, as ciências não teriam chaves de leitura para entender a dança da chuva, dado que iria ridiculariza-la por sua ineficácia no estímulo às precipitações. De qual ciência está se falando? Do utilitarismo científico do século XVIII? Talvez neste caso a afirmação pudesse ser aceitável, no entanto as ciências possuem sim, atualmente, chaves de leituras para relacionar-se com essas diversidades de representações, discursos e vivências sobre o real.

O interpretativismo da antropologia cultural de Clifford Geertz, por exemplo, procura relacionar-se com essa diversidade, compreendendo a partir da descrição densa os valores culturais dos grupos como próprios de sua expressão e adaptação ao ambiente, às construções simbólicas, à história e à política. Assim nesta perspectiva, a dança da chuva é uma valiosa manifestação, rica de signos que revelam o grupo cultural, as relações sociais e as disputas de poder.

Por fim, senti outro incômodo com a utilização do conceito de mediações como sinônimo de tradução e preposição. Ora, mediações não são abreviações de intermediações, que até poderiam ser interpretadas assim e nessa perspectiva, os dissensos e disputas inevitáveis nas relações humanas seriam obscurecidos. Mediações são deslocamentos. São práticas culturais. Assim, imprescindivelmente diversas, conflitivas e agonísticas. Creio que nesta abordagem, a epistemologia da comunicação poderia ser melhor contextualizada em sua condição de historicidade e a diversidade das ciências compreendidas.

Principais livros de Bruno Latour: Jamais fomos modernos e Enquête sur les modes d'existence.



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