quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Jogos ou disputas de linguagem?

A teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein traz um indubitável avanço acerca da relação entre nosso conhecimento e a realidade, área estudada pela Epistemologia. Seguindo a linha do transcendentalismo de Hume, Berkeley e Kant, ele demonstra que só temos à realidade intermediados por palavras que também possibilitam a construção das representações de nosso pensamento. Pensar é utilizar mentalmente o repertório de palavras que possuímos em nosso idioma. E comunicar é expressar pensamentos. No entanto, suas contribuições vão mais além dessas reflexões já partilhadas pelos transcendentalistas antecessores.

Wittgenstein  rechaça do realismo ingênuo a ideia de uma correspondência inata de nossa linguagem com o mundo, pois o compreendemos principalmente através de ações que possuem significados gestados num contexto e compreendidos no mesmo. Para tecer os textos, os falantes negociam, mesmo implicitamente (por meio dos costumes, das tradições, das instituições e das regras gramaticais), as proposições e os usos da linguagem, como num jogo. Assim, Wittgenstein refuta a insolúvel questão de seus antecessores: como podemos garantir a relação entre a realidade e as palavras, representações e conhecimentos¿ Isto não importa, o que importa são os acordos e os consensos gerados nos usos da linguagem, pois é desta maneira que agimos no mundo.

A visão do filósofo falha, no entanto, por não dar a devida mirada aos jogos de poder que gestam a linguagem. Acordos não são simples consensos. Não significam a aceitação ampla e absoluta. Conforme a politicóloga inglesa Chantal Mouffe, acordos são decisões transitórias e temporárias que representam atuação de determinados agentes hegemônicos. Assim como os conflitos, a contra-hegemonia, as apropriações e as resistências são inevitáveis nos ambientes de negociação. Paralela e infiltradamente às regras e significados predominantes, há sentidos contestatórios, alternativos, irônicos ou subversivos na linguagem que convivem com as regras dominantes. Como compreender jogos de linguagem numa situação de precariedade de regras e consensos? Esta teoria daria conta dos diversos e opostos discursos que circulam nas relações sociais, culturais, políticas e econômicas que investigamos? Ao invés de jogos de linguagem não deveríamos falar em disputas de linguagens ou na arena discursiva, proposta pelo sociólogo inglês Stuart Hall? Aos invés de pensar predominantemente nos acordos e nas regras dominantes, não devemos pensar sobretudo nos dissensos que compõe a construção das linguagens e seus contextos para não perdemos a visão da multiplicidade e diversidade social?

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