A teoria dos jogos de linguagem
de Wittgenstein traz um indubitável avanço acerca da relação entre nosso conhecimento
e a realidade, área estudada pela Epistemologia. Seguindo a linha do transcendentalismo de Hume, Berkeley e Kant,
ele demonstra que só temos à realidade intermediados por palavras que também
possibilitam a construção das representações de nosso pensamento. Pensar é
utilizar mentalmente o repertório de palavras que possuímos em nosso idioma. E
comunicar é expressar pensamentos. No entanto, suas contribuições vão mais além
dessas reflexões já partilhadas pelos transcendentalistas antecessores.
Wittgenstein rechaça do realismo ingênuo a
ideia de uma correspondência inata de nossa linguagem com o mundo, pois o
compreendemos principalmente através de ações que possuem significados gestados
num contexto e compreendidos no mesmo. Para tecer os textos, os
falantes negociam, mesmo implicitamente (por meio dos costumes, das tradições,
das instituições e das regras gramaticais), as proposições e os usos da
linguagem, como num jogo. Assim, Wittgenstein refuta a insolúvel questão de seus
antecessores: como podemos garantir a relação entre a realidade e as palavras, representações
e conhecimentos¿ Isto não importa, o que importa são os acordos e os consensos
gerados nos usos da linguagem, pois é desta maneira que agimos no mundo.
A visão do filósofo falha, no entanto, por não
dar a devida mirada aos jogos de poder que gestam a linguagem. Acordos não são
simples consensos. Não significam a aceitação ampla e absoluta. Conforme a
politicóloga inglesa Chantal Mouffe, acordos são decisões transitórias e
temporárias que representam atuação de determinados agentes hegemônicos. Assim
como os conflitos, a contra-hegemonia, as apropriações e as resistências são
inevitáveis nos ambientes de negociação. Paralela e infiltradamente às regras e
significados predominantes, há sentidos contestatórios, alternativos, irônicos
ou subversivos na linguagem que convivem com as regras dominantes. Como compreender jogos de linguagem numa situação
de precariedade de regras e consensos? Esta teoria daria conta dos diversos e
opostos discursos que circulam nas relações sociais, culturais, políticas e
econômicas que investigamos? Ao invés de jogos de linguagem não deveríamos
falar em disputas de linguagens ou na arena discursiva, proposta pelo sociólogo
inglês Stuart Hall? Aos invés de pensar predominantemente nos acordos e nas regras dominantes, não devemos pensar sobretudo nos dissensos que compõe a construção das linguagens e seus contextos para não perdemos a visão da multiplicidade e diversidade social?
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